Escrever: todo mundo devia escrever uma ou duas páginas por dia, ou pelo menos todo fim de semana, contando como tem sido seus dias, falando sobre sua vida, suas alegrias, tristezas, decepções, felicidades. Para isso não é preciso saber escrever; seria uma espécie de diário, para ler daqui a 20 ou 30 anos, e que um dia será encontrado por um neto ou bisneto que, sabendo mais de suas origens, como foram seus pais e avós, talvez compreendam melhor por que são como são.
Para isso basta um caderno e uma esferográfica e uma gaveta com chave, pois essas confissões só devem ser lidas pelos outros com permissão de quem escreveu, a não ser que já tenham morrido. E pense um pouco: você deve ter passado por coisas que prefere não lembrar, que estão lá dentro contidas, reprimidas e das quais acha já esqueceu, já que não pensa nelas. Quem não passou?
Não pensa, mas elas estão lá, travando seus atos, impedindo que você seja livre desses bloqueios e possa ser, conseqüentemente, mais feliz.
Escreva; escreva, pois escrever faz bem. Falar seja com a maior amiga, um padre ou com o psicanalista, não é o suficiente. Falar toda a verdade, sem nenhuma censura, com sinceridade total, só se consegue a nós mesmos, e isso quando temos coragem.
Fácil não é. E se certos acontecimentos são difíceis de serem lembrados, mas difícil ainda é de serem colocados no papel. Mas isso é só no inicio; depois dos primeiros dias vai se tornar um hábito, como se estivesse conversando com você mesma, porque ninguém com mais capacidade para entender por que fez certas coisas, praticou atos que foram censurados pelos amigos e pela família, do que você. Só você e mais ninguém.
À medida que os acontecimentos mais difíceis vão sendo escritos, mais coragem você vai ter para continuar escrevendo e pouco a pouco vai perceber que esta mudando. Os fatos mais dolorosos, nos quais não conseguia nem pensar, vão ficando mais leves; conseqüentemente, você vai ficando mais leve. E vai perceber que, sem o peso que carregou durante tanto tempo lá no fundo de você mesma, é como se tivesse se libertado. Não vai se esquecer das tristezas pelas quais passou, mas vai conseguir vê-las de frente, pois não há esforço maior do que o de não querer pensar numa coisa, achando que assim vai evitar o sofrimento.
Escreva para você, sem esconder nada, sem nenhum pudor de confessar os vexames pelos quais passou, as tristezas e até os momentos de glória, que também não são fáceis de contar, ate porque desses ninguém este interessado em ouvir.
Vá por mim: escrevendo, você vai mudar. Quando não houver mais áreas obscuras na sua vida, aquelas que você nem sabia que eram tão pesadas e te impediam de usufruir todos os momentos como eles merecem ser vivido, vai se sentir mais leve.
Vá, escreva. Não tenha medo de não conhecer bem o português, ou porque não sabe botar as crases no lugar certo; nada disso tem a menor importância.
Acredite: isso aconteceu comigo e a vida hoje me parece muito, mas muito melhor do que era.
Eu me libertei não das minhas lembranças, mas dos meus fantasmas e tenho a consciência de ser uma nova pessoa; uma pessoa que tem muito mais prazer em viver do que tinha antes de escrever.
LEÃO, Danuza. Sem Medo. Jornal Folha de São Paulo, 20 de novembro de 2005. Disponível em: <
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